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| Imagem Ilustrativa (Pixabay) |
Pequim, outubro de 2025 – As autoridades chinesas endureceram significativamente o controle sobre atividades religiosas no ambiente digital, impondo restrições que limitam severamente o evangelismo, a pregação, a educação religiosa e o uso de ferramentas online por líderes religiosos. As novas normas — que formalizam, ampliam ou clareiam controles já existentes — têm implicações profundas para a liberdade religiosa, privacidade, expressão e atividades comunitárias.
O que mudaram as leis
Em meados de setembro de 2025, a Administração Nacional de Assuntos Religiosos (National Religious Affairs Administration) publicou um Código de Conduta para Clero no Ambiente Online com 18 artigos, que traçam os limites legais para o uso da internet por membros do clero de religiões reconhecidas na China.
Entre os pontos centrais estão:
- Preaching e educação religiosa online proibidos em canais não licenciados: somente plataformas, sites, apps ou fóruns legalmente estabelecidos por grupos religiosos reconhecidos e com licença oficial podem transmitir pregações, ministrar aulas ou realizar treinamentos religiosos via internet.
- Proibição de sermões ao vivo, vídeos curtos, reuniões online, uso de grupos de mensagens como WeChat, ou transmissões via redes sociais para atividades religiosas, salvo por meios autorizados.
- Proibição de evangelizar menores pela internet, organizar acampamentos religiosos online para jovens ou qualquer instrução religiosa voltada para crianças.
- Veto ao uso de tecnologias de inteligência artificial (IA) para pregações, produção ou disseminação de conteúdo religioso não autorizado.
- Proibições de arrecadação de fundos online em nome de projetos religiosos, ofertas voluntárias digitais para construção de templos ou manutenção de atividades religiosas, bem como a comercialização ou monetização de conteúdos religiosos via mídias digitais.
- Exigência de que clérigos registrem suas credenciais junto aos provedores de serviço da internet, para que contas públicas ou atividades online religiosas sejam verificadas.
As novas leis aplicam-se não só ao continente, mas também a atividades de clérigos estrangeiros ou das regiões de Hong Kong, Macau e Taiwan, quando sua atuação incide dentro do âmbito de controle chinês.
Por que esse controle aumenta
O governo argumenta que tais medidas visam:
- Manter a ordem social e a estabilidade online — evitar que conteúdo religioso “não regulamentado” provoque tensões, desinformação ou práticas consideradas supersticiosas ou extremistas.
- Sinicização das religiões, isto é, adequar crenças e práticas religiosas aos valores socialistas e à liderança política do Partido Comunista, alinhando o discurso religioso à política estatal.
- Combater a comercialização, o autoproclamado “uso indevido” que alguns líderes religiosos faziam das plataformas digitais para obter visibilidade, doações ou monetização via mídia social ou livestreaming.
Quais são os riscos
Essas regras trazem uma série de perigos ou efeitos colaterais para as comunidades religiosas, para os fiéis e para a própria sociedade. Alguns deles:
- Restrição severa da liberdade de expressão religiosa: impede que líderes religiosos utilizem meios digitais informais — redes sociais, grupos de mensagem, videos virais — para divulgar fé, ensinar ou organizar comunidades. Isso limita muito como crenças pessoais ou coletivas podem se manifestar no espaço público digital.
- Isolamento de comunidades menores ou não oficiais: igrejas ou organizações que não estão registradas formalmente, ou que operam de forma mais comunitária, podem ficar fora da legalidade para suas atividades online, perdendo visibilidade ou sendo excluídas de diálogos públicos.
- Censura e ambiguidade jurídica: muitos termos usados nas leis (“extremismo”, “influência estrangeira”, “superstições”, “heresia”, “atividades não aprovadas”) são vagos e podem ser interpretados amplamente. Isso cria incerteza e possibilidade de abuso, com risco de sanções administrativas, fechamentos de contas ou processos legais.
- Desconexão entre gerações: o público mais jovem, acostumado com redes sociais, streaming e tecnologia, pode não ter espaço legítimo para participar ou aprender na fé se tudo for rigidamente controlado e centralizado.
- Privacidade, vigilância e segurança pessoal: o requisito de apresentar credenciais para provedores de internet, e a obrigação de operar em plataformas autorizadas, facilita monitoramento estatal mais direto. Para quem estiver em ambientes onde a liberdade religiosa já é precária, isso pode gerar riscos pessoais.
- Perda de diversidade teológica e cultural: ao favorecer conteúdos religiosos que estão conformes às políticas estatais e à “sinicização”, há risco de silenciamento de expressões locais ou de releituras alternativas que não estejam alinhadas com o discurso oficial.
Como comunidades religiosas estão reagindo
Até agora, algumas das reações observadas:
- Denúncias e protestos de organizações internacionais e de direitos humanos, que apontam que as mudanças violam compromissos chineses com liberdade de religião, bem como normas internacionais de direitos humanos.
- Igrejas clandestinas (“house churches”) veem aumento de pressão; já se há relatos de bloqueios de contas, remoção de conteúdos online e sanções administrativas.
- Tentativas de adaptação: algumas comunidades podem tentar recorrer a plataformas oficiais, registro formal ou modos discretos de manter seus ensinamentos, embora isso envolva compromissos com a supervisão estatal.
O dilema moral-político
Há um conflito claro: por um lado, o Estado defende que todas essas medidas são necessárias para manter segurança, evitar radicalismo, manter coesão social sob uma governança autoritária do Partido Comunista. Para o governo, religião é aceitável, desde que bem “domestica” — ou seja, devidamente controlada.
Por outro lado, existe uma forte questão moral e de direitos: a busca religiosa, as práticas de fé, a liberdade de compartilhar crenças são parte central da democracia e dos direitos humanos, como garantidos em várias convenções internacionais. Quando o Estado interfere excessivamente nesses domínios, há risco de violação desses direitos, marginalização de minorias religiosas e aprofundamento de tensões sociais sob o véu do silêncio e da restrição.
O que pode acontecer a seguir
- Mais casos de punição a religiosos que descumprirem as novas normas, com contas encerradas, multas, perseguição local, censura de conteúdos.
- Diminuição de publicação religiosa independente; conteúdos religiosos serão cada vez mais filtrados e produzidos de forma institucional, em canais oficiais e licenciados.
- Possível realocação de comunidades religiosas para o offline (cultos físicos, encontros privados) ou uso de redes alternativas, criptografadas ou subterrâneas, o que pode gerar tensão e risco.
- Reação, tanto interna (de fiéis, clérigos, comunidades) quanto externa (organizações de direitos humanos, governos estrangeiros) poderá intensificar pressão diplomática e visibilidade internacional sobre a China no tema da liberdade religiosa.
Conclusão
As novas leis digitais da China para controlar o evangelismo e a atividade religiosa online representam um marco no avanço do autoritarismo institucionalizado no país. Embora pautadas por discursos de segurança, ordem social e moral pública, elas levantam sérias preocupações sobre liberdade religiosa, pluralismo, diversidade cultural e expressão individual.
Para os fiéis e líderes religiosos, o desafio será grande: como manter fé, convicção, comunicação, sem violar normas que põem limites severos à sua atuação digital? Para observadores internacionais, o teste será observar até que ponto essas medidas serão implementadas vigorosamente, se gerarão resistências, e como impactarão a vida concreta das comunidades religiosas menores ou dissidentes.
